
Na minha prática profissional diária, o que mais faço é ouvir. As pessoas precisam da terapia para falar, desabafar, contar suas mazelas. É claro que parte fundamental do atendimento deve-se à intervenção, mas esta, em todos os casos, acaba acontecendo somente algum tempo depois, pois o paciente não consegue escutar. Qualquer tipo de instrução ou tentativa de provocar insights através da palavra é quase uma tarefa impossível. O paciente quer esvaziar-se.
Neste período, cabe ao terapeuta saber a hora de iniciar o estímulo à escuta, o que acontece normalmente depois de algumas sessões.
Saber ouvir não é uma qualidade muito vista nos tempos modernos. Depois de anos de diversos tipos de repressão, as pessoas querem colocar pra fora tudo o que podem e muitas vezes o que não deveriam. Esqueceram-se da máxima: "Falar é prata, calar é ouro". E este calar implica em ouvir.
Amontoados de casos no consultório sobre problemas de comunicação, sobretudo em relacionamentos. O exercício do ouvir torna-se tão penoso em algumas situações que as relações terminam sem um fim verdadeiro, deixando uma sensação de algo inacabado para a vida toda, pois nenhuma das partes teve paciência para ouvir o motivo do outro.
A paciência para ouvir não é nem de longe estimulada. Ao contrário: o que se vê é um estímulo ao não-ouvir. Com o advento da comunicação pelo rádio via celular as pessoas passaram a conversar de forma cindida: uma fala e depois escuta o que a outra tem para falar. Mas não funciona. Existem mais mal entendidos do que solução neste meio de comunicação e enquanto o outro dá a resposta, o ouvinte argumenta mentalmente sem ao menos ter escutado o final do raciocínio do outro. Outra mania, principalmente entre adolescentes: o ipod. Ninguém mais sobrevive sem música ou vídeos em casa, no trabalho, nas ruas. Pessoas com fone de ouvido o tempo inteirinho. É como se usassem uma placa gigante amarela no pescoço: "Não fale comigo. Não quero ouvir!".
Ouvir também pode ser ampliado para escutar a voz interior. Não seria lógico que, por escutar menos os outros, as pessoas escutassem mais a si mesmas? Isso não acontece. Quem não escuta o outro não escuta a si. Pelo menos não da maneira introspectiva. Talvez escute suas vontades, seus egoísmos. Mas isto não acrescenta nada.
Não ouvir está intimamente ligado com um estado de ansiedade generalizado, ansiedade por algo que nunca chega e que nem se sabe ao certo o que é. Por isso o exercício do ouvir deve ser praticado no dia a dia. Ouvir é exercitar a paciência, pois é preciso adaptar-se ao tempo do outro para que a informação seja compreendida verdadeiramente. Ouvir é contemplar o mundo externo e interno, é acrescentar novas perspectivas às coisas.
Luz e Paz!
Adorei o texto...super verdade...pena que só descobrimos o quanto é importante ouvir...o quanto é importante dialogar, quando chegamos na maturidade.
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